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Culinária, Gastronomia e Escravidão

Foto do escritor: Ti Mestre CucaTi Mestre Cuca


Após 'maratonar' a nova Série da Netflix, Coisa Mais Linda, fiquei refletindo sobre a vida dada à personagem Adélia, vida ainda similar as de muitas mulheres negras no Brasil, assim como de suas famílias.


Após alguns minutos de reflexão sobre a série, me perguntei: "E sobre a área da culinária e da gastronomia, como foram tratadas após a abolição da escravidão no Brasil?".


Dedico então este primeiro post sobre estudos acadêmicos, para mostrar um pouco da pesquisa "Cozinhar e comer, em casa e na rua: culinária e gastronomia na Corte do Império do Brasil", desenvolvida pelos professores Almir Chaiban El Kareh, Hector Hernan Bruit Cabrera e Eliane Monteiro Considera.


A Pesquisa


Para entender como anúncios de jornais podem ser utilizados como amostra, no intuito de compreender a história social da alimentação no Rio de Janeiro durante a segunda metade do século XIX, os pesquisadores realizaram análises em anúncios do Jornal do Commercio, que estava em alta tiragem entre os anos de 1849 a 1890 e também algumas amostras do Jornal do Brazil, de 1920. Estes Jornais foram determinados devido à grande oferta e procura de pessoas para trabalhar em cozinhas residenciais ou de comércios.

Logo no início das análises os pesquisadores apontaram surpresa para os tipos de anúncios com requisitos específicos na demanda da época: "negras cativas", "bem engomada", "roupa limpa", frases ou palavras como estas que colocavam condições de aparências antes mesmo da preocupação com a alimentação, ou habilidades culinárias. Permitindo perceber que gastronomia ficava em segundo plano na hora de escolher alguém para cozinhar.



"boa preta, perfeita costureira, cozinha e entende do arranjo de casa, levando uma filha de 6 a 8 anos de idade, ambas falam bem o francês"



É aluguel mesmo?


Com o passar de alguns anos e após a abolição, notou-se algumas mudanças nos vocabulários dos anúncios, considerando ainda que a mão de obra havia aumentado com a chegada de estrangeiros em busca de emprego e melhor qualidade de vida. No entanto, mesmo para estes, assim como aos escravos recém-libertos, as questões e legislações empregatícias não estavam muito claras. Estas pessoas se alugavam e também recebiam tais ofertas de alugadores através de anúncios, como:


"Precisa-se de uma preta forra ou cativa para todo o serviço interno de uma casa de pouca família, que seja limpa, sossegada, diligente e que engome perfeitamente tanto roupa de homem como de senhora, pagando-se 14$000 mensalmente, sendo como se exige; na rua da Prainha N° 12. Na mesma casa precisa-se de outra para ama seca de um menino, mas que seu aluguel não exceda de 8$."


ou anúncios como:


''Precisa-se de uma criada branca ou de cor, porém livre, para casa de pequena família (se

quer que cozinhe, lave e engome), na rua do Ourives n° 44".


Esta modalidade "empregatícia de alugueis" ainda mostrava uma linha tênue entre a escravidão e empregos. Salientando algumas questões de assédios sexuais que os anúncios deixavam a entender, por exemplo: "Uma pessoa, homem solteiro, abonado que reside em Petrópolis, precisa alugar um rapaz cozinheiro que seja limpo no seu ofício e inteligente, não se exigindo dele grandes habilidades, nem mesmo fazer massas". Por que um homem solteiro alugaria um cozinheiro que não precisara saber cozinhar?


Lembrando também que naquela época o assédio sexual às empregadas domésticas eram permitidos.


Culinária familiar e o comércio da alimentação carioca


Com o passar dos anos a procura se abrangeu às pessoas que pudessem (soubessem) se portar adequadamente para vendas de alimentos, além de cozinhá-los e tratar dos afazeres domésticos.


No início a comercialização era de doces caseiros - doces de caju, de laranja, maracujá, dentre outros, como os doces em pastas.


"Precisa-se alugar alguns pretos para vender doce pelas ruas, que sejam capazes"


Logo em seguida, comércios de estrangeiros com receitas mais requintadas - pelo menos no nome - começaram a entrar no hábito alimentar, principalmente de famílias cariocas ricas e famílias estrangeiras também abastadas.


Receitas com nomes em francês, tal como "gras-double à la mode de Caen" (nossa buchada de bode) tornaram-se famosas em estabelecimentos.


Outro ponto importante realçar é que, para atender a demanda de profissionais que vinham de outros países, moradores, visitantes, turistas e comerciantes da região, foram criados em larga escala estabelecimentos de culinária simples e nacional, alta gastronomia nacional e estrangeira. O que ajudou a modificar alguns aspectos no hábito alimentar dos cariocas e da demanda de profissionais através dos anúncios de publicidade, que passou a mostrar alto interesse em homens para atuação no comércio.


"Hoje 8 do corrente haverá no salão de café almoços de garfo, ostras e chocolate, assim como ceias frias; neste hotel acaba-se de contratar um perito cozinheiro. Também haverá limonadas, sodas e alguns jornais estrangeiros, franceses e ingleses"


ou novamente os anúncios de solicitação profissional, mas agora de pessoas especializadas:


"o preto cozinheiro muito hábil para qualquer hotel".


ou ainda, preferencialmente, de homens brancos e recém chegados da Europa: "Precisa-se de um bom cozinheiro que entenda de casa de pasto, e de um ajudante (prefere-se que seja dos últimos chegados)".



Enfim, luz! Será?


As análises já começara a apontar para o aumento do "requinte alimentar" dos cariocas, assim como o melhor aproveitamento das noites, a partir da chegada de luz a gás.


Mesmo assim, ainda ficam algumas questões na pesquisa. Será que houve aumento da exploração da jornada de trabalho do pessoal que realizava serviços domésticos e comerciais na cozinha, visto a falta de legislação social da época e o aproveitamento da noite carioca?



Espero que você tenha gostado do conteúdo!

Muito obrigado por vir e me siga no Instagram também: @timestrecuca :)

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